Rio de Janeiro, 4 de Março de 2005.
Home
Editorial
Artigos
Matérias
Cartas
Entrevistas
Colunas
Ricardo Rabelo
Ensaios
Guerra Iraque
Carnaval
Poesia
Crônicas
Livros
Cinema
Música
Links
Expediente
Fale Conosco



Desenvolvido por:

DESENVOLVENDO SOLUÇÕES PARA O SEU NEGÓCIO

Carlos Lessa

Em entrevista exclusiva ao Bafafá, o professor Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES tece duras críticas à política econômica do governo Lula. Segundo Lessa, o presidente insiste em políticas monetárias e financeiras suicidas, que constituem “um verdadeiro Tsunami, que destrói as esperanças”.

            Lessa, finalmente, revela quem são as elites que enganam o presidente. “São as elites financeiras nacionais e internacionais. São as únicas que ganham neste quadro de estagnação da economia, com esta taxa de juros devastadora. O que elas fazem com seus lucros? Aplicam no mercado financeiro. Só elas ganham, todos os demais perdem. Veja a evolução dos lucros do sistema bancário brasileiro”, fuzila.

Sobre a eleição na Câmara dos Deputados, Carlos Lessa é ainda mais contundente. “Tem cara de um 11 de setembro local. Essa resposta foi um não dado pelo Congresso às políticas centrais que são executadas”.

Confira a entrevista

 

Como viu a derrota do governo na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados?

Tem cara de um 11 de setembro local. Considero de uma imensa gravidade o PT não estar presente na mesa da Câmara. Isso ou é a representação de uma espantosa incompetência no espaço da negociação política ou é uma desorganização das forças que construíram a frente do governo. Ou talvez seja uma combinação das duas dimensões. É inteiramente inaceitável um canal imperfeito ou bloqueado entre as ligações entre o executivo e o legislativo. Isso produz sem dúvida problemas seríssimos de gestão. Um clima de estranheza entre os dois poderes é muito prejudicial para as políticas públicas. Eu imagino que tem sido por causa do relacionamento do Ministério da Fazenda com os deputados, governadores, secretários de Estado. O ministro Palocci disse não para todo mundo. A resposta deles foi eleger o Severino. O Congresso espelha o estado da política brasileira. Essa resposta foi um não dado pelo Congresso às políticas centrais que são executadas. É um não à política de juros altíssima e à política de superávit fiscal. Eu acho que está havendo uma erosão das forças que convergiram em torno da eleição do presidente Lula. Eu não sou analista político e jamais pretendi sê-lo, mas eu digo que Lula simbolizou duas dimensões muito importantes. Uma é a ascensão popular que converteu um dos seus em presidente. Isso é um fantástica demonstração da potencialidade do povo brasileiro, certamente simbolizada na biografia do presidente Lula. O povo ao votar nele manifestou claramente que queria uma mudança, inclusive do perfil do presidente. Não queria mais um presidente nascido dos processos clássicos da elite brasileira. Queria um homem do povo, visceralmente comprometido e com total sensibilidade para com ele.

A segunda dimensão é que estava associada na cabeça de todos os eleitores a idéia de mudança. Acho que foi a combinação dessas duas dimensões que produziu a história do Lula, muito maior do que a própria evolução e organização do PT.

O que acha da ideologia do PT?

Não acho que o PT seja um partido de base doutrinária porque ele foi construído de vetores muito diferentes. Um vetor é de matriz anárquico-sindicalista que tem uma suspeita profunda em relação ao Estado como é da tradição trokista. Isso é complicado, pois essa posição no limite tangencia com o liberalismo. Outro vetor é de origem católica, de esquerda, profundamente imbuído do sentimento de que é necessária uma renovação ética numa sociedade que tem um passado cheio de iniqüidades. Um terceiro vetor é sindicalista, que é uma apresentação na arena política do trabalho por sua forma organizada.

Na verdade, os vetores católico e sindical convergiram na construção do PT. Mas o partido, por conta dessas matrizes, é uma organização de frente, não é um partido coeso. Porém, há um denominador comum nos três vetores: é necessário mudar. Acho que o Lula foi maior do que o PT, no sentido que pôde não apenas dispor desta frente pela mudança como do seu perfil carismático. Eu estou falando de dois anos atrás. Durante 2003, as forças do país inteiro que apoiaram o presidente ficaram esperando os sinais de mudança e o próprio Lula fez uma variedade de gestos nesta direção.

Como vê o Programa Fome Zero

O Fome Zero é sob meu ponto de vista uma belíssima proposta de mobilização da vontade nacional em cima de um compromisso tácito: ninguém ir dormir com fome. Acho que o país pode fazer isso o que demonstra uma imensa demonstração de vigor nacional. O Fome Zero entretanto, hoje, já não é mais falado. Nasceu com grande força do ponto de vista do imaginário mas foi sendo adulterado pois foram sendo colocados uma variedade  imensa de componentes. Não me venham com esse discurso de que é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe. A hipótese por trás disso é a seguinte: enquanto não aprende a pescar tem que ter peixe para comer, pelo menos. O Rio tem que ter muito peixe e além disso as pessoas têm que ganhar a vara de pescar. Tem que começar a dar o peixe sim. Eu acho que houve um equívoco na construção do primeiro movimento do Fome Zero. Não há dúvida que a situação de miséria é dramática nos grotões rurais brasileiros. Mas existe fome nas metrópoles, no Rio de Janeiro, aqui no Cerro-Corá pertinho da minha casa no Cosme Velho. Existe fome em todo o corpo social brasileiro e talvez a maior parcela não esteja nem nos grotões, mas sim no espaço urbano onde não há nenhuma possibilidade de produção de auto-consumo. Começar pelos grotões tem um valor simbólico, mas não dá para ficar só neles. Creio que aí houve um tropeço na condução do programa. A coisa mais difícil no Planeta é distribuir alimentos. Redes de distribuição são dificílimas de montar, quem sabe disso é a União Soviética, que teve grandes problemas nesta área. Na escala de um banquete colossal, que era o que íamos fazer com o Fome Zero, é quase impossível. Você só pode fazer isso a partir das redes já existentes. Qual é a maior rede existente no país? É a rede primária, são as escolas. Nós já temos no Brasil um projeto chamado Merenda Escolar que funciona mal e que não é um programa de nutrição, pois tem interrupção no período de férias. Se você alimentar uma pessoa durante quatro meses e não der comida durante 10 dias ela morre. O que seria então necessário é tomar a rede escolar primária e convertê-la numa rede de conferir, dar, três refeições diárias a toda a população em idade escolar no país. É exeqüível, pois já existe a rede escolar. Eu não consigo entender como começaram pelos grotões. O que aconteceu então? O Fome Zero desapareceu, uma idéia fantástica de inclusão social. O presidente apostou profundamente neste programa.

Qual é o calcanhar de Aquiles do governo Lula?

O Programa de Bolsa-Família tem crescido muito no governo Lula apesar do cadastro herdado da administração anterior. O problema é que tudo isso é acessório em relação à inclusão social. O essencial é geração de empregos e melhoria salarial. Essa era a mudança principal pretendida por todos os que votaram no Lula. Uma sociedade, como a brasileira que tem 12 milhões de desempregados e outros 13 milhões de sub-empregados, numa população economicamente ativa de 80 milhões de pessoas, nós temos quase 30% numa situação extremamente precária. Isso explica a fome da Favela do Cero-Corá, nas calçadas de São Paulo, em espaços onde ela não deveria existir. Se as pessoas têm um emprego de qualidade (com carteira assinada e legislação trabalhista), em primeiro lugar comem. O mais grave é que 40% dos desempregados têm menos de 25 anos. Nós não estamos dando à nossa juventude segurança de uma vida útil e produtiva. Nós estamos matando a esperança na juventude. Isso é muito grave.

Neste domínio a administração Lula não fez nada em 2003 e praticamente nada em 2004. Ou seja, durante metade do governo essa questão foi procrastinada. Em nome de quê? Em nome de prioridades com políticas monetárias e financeiras suicidas. Eu quando saí do BNDES fiz a denúncia de que a política monetária era um pesadelo. Na verdade é mais do que um pesadelo é um Tsunami, um vendaval que destrói as esperanças. Que mudança teve para quem estava desempregado e continua desempregado? Todos os que apoiaram o governo ficaram esperando em 2003. Só que o governo, ao escolher o medicamento, errou. Escolheu o medicamento neo-clássico, neoliberal, uma política de estabilização absolutamente convencional. Na verdade tentou fazer melhor que o governo anterior vinha fazendo. Isso frustrou uma quantidade enorme de pessoas que esperavam mudanças efetivas. Mais do que isso: de certa maneira se descaracterizou em relação ao governo anterior. Os tucanos podem dizer o quê? Qual é a novidade? “Nós preparamos a cama para a administração do PT poder colher esse vôo de galinha de crescimento que houve no segundo semestre de 2004”. Aliás, é importante salientar que se construiu um discurso eufórico em torno de um resultado muito pequeno. Caiu a taxa de crescimento industrial. Você não segura uma recuperação da economia se você não eleva a taxa de investimento.

Com esta taxa de juros brutal e com esse enorme esforço de superávit fiscal é impossível elevar a taxa de investimento privado ou público. A verdade é que o ministro Palocci tapa os ouvidos de uma maneira impressionante a toda e qualquer sugestão de uma política de ampliação do investimento. Aí que está o erro fundamental. Este é o calcanhar de Aquiles.

Não teve nada de significativo na administração Lula?

O presidente Lula acertou em uma quantidade enorme de temas acessórios. Más há um erro fundamental em matéria de política econômica. Palocci e o Conselho Monetário Nacional taparam os ouvidos completamente apesar dos apelos da sociedade. Em matéria de política externa o presidente produziu uma mudança extremamente substancial. O presidente finalizou de maneira positiva inumeráveis questões fundamentais, entre elas a transposição de águas do Rio São Francisco, a reformulação ferroviária brasileira. Só que na questão central o presidente errou.

Quem são afinal as elites que enganam o presidente Lula?

São as elites financeiras nacionais e internacionais. São as únicas que ganham neste quadro de estagnação da economia, com esta taxa de juros devastadora. O que elas fazem com seus lucros? Aplicam no mercado financeiro. Só elas ganham, todos os demais perdem. Veja a evolução dos lucros do sistema bancário brasileiro. O país todo está parado e os lucros do sistema financeiro crescem sem parar. A parte de salários na renda nacional não pára de encolher. Então eu digo: a mudança fundamental não aconteceu. O investimento estrangeiro não vem pela estabilidade, vem quando o país tem dinamismo. A China está recebendo investimentos, pois está crescendo sem parar.

Você se sentiu desrespeitado pela forma como foi demitido?

Pelo contrário, eu acho que o presidente foi extremamente gentil, pois chegou a me oferecer um jatinho militar para ir à Brasília, uma vez que estava com a perna em más condições. Falei com ele mais de uma hora ao telefone. Eu sempre fui no governo da cota do presidente e não entrei por nenhuma composição política. Obviamente, por razões que nem precisava explicar para mim, pediu a cadeira de volta. Eu só tenho uma mágoa nesse episódio: não ter sido autorizado à transmissão do cargo. Foi a primeira vez na história do banco que isso não aconteceu. Acho que isso foi muito ruim para mim, pois ia fazer um discurso de despedida onde ia dizer o que tinha feito e o que eu pensava para o banco. Eu teria uma tribuna perfeita para botar um ponto final nessa trajetória. Como isso não aconteceu, estou escrevendo um livro sobre meus dois anos à frente do BNDES.

Como está vendo a gestão de Guido Mántega no BNDES?

Mántega é um homem de bem. Mas, acho que ele loteou a diretoria, fragmentou. Ele aumentou muito o peso de pessoas oriundas da área bancária e financeira dentro da alta administração do BNDES. Eu fiz uma diretoria de professores e quadros desenvolvimentistas do banco. Eu quero aproveitar para felicitar o Mántega pela atitude que tem assumido de contestar frontalmente o secretário do Tesouro, Joaquim Levi num ponto essencial, inclusive que me fez bater no Meirelles que eu acusava de ser o regente da orquestra: a insinuação de que a taxa de juros tem que subir e que as operações de crédito direcionadas devem ser compartidas com os bancos privados. Sintomaticamente, o Elio Gaspari disse que já começou a fritura do Mántega, apesar de eu achar difícil isso acontecer pois seria como fritar um braço do próprio Lula.

Confere que o Sr. está sendo assediado pelo casal Garotinho?

Não estou sendo assediado, primeiro porque sou amigos deles há muitos anos, desde os tempos que era prefeito de Campos. Ele fez uma administração muito interessante em Campos, de inclusão social. Independente de qualquer coisa eu gosto dos dois. Mas não fui assediado não. Eu tenho sido muito procurado para conversar sobre o Brasil e muitas destas conversas acontecem aqui em casa.

Aceitaria integrar o governo de Rosinha?

Eu acho que sou muito mais útil ao Brasil aonde eu estou do que ser do Executivo de qualquer área. Eu assumir uma secretária estadual é como se estivesse me retirando de um imenso banquete para me oferecer um sanduíche. Porém, se alguém fizer uma demonstração de que é imprescindível que eu assuma um determinado cargo, eu topo qualquer coisa, em nome de um grande projeto. Para isso, é preciso fazer esta demonstração.

As elites que enganam Lula