Israel Blajberg

Palavras de Despedida

Caros companheiros,

Em 1972 cheguei na UFF com outros jovens engenheiros recém-formados. O curso era noturno, quase todos os professores trabalhavam de dia na EMBRATEL, CTB e outras empresas do setor.

No meu caso fui convocado porque a chamada rede externa, hoje rede de acesso, era o ponto fraco do sistema. Raríssimos engenheiros conheciam o assunto, restrito mais a técnicos de nível médio, talvez um dos fatores que contribuíram para a sua degradação e consequente baixa na qualidade do serviço prestado pelas operadoras.

As aulas eram no chalé, no casarão, e no galpão hoje escondido atrás do prédio velho que abrigava os laboratórios. Era o que havia.

Não existia a figura do tempo integral, muito menos mestres e doutores.

Ao longo desses 42 anos o departamento evoluiu, se modernizou, cresceu, junto com a escola e com a UFF.

Tive o privilégio de acompanhar tudo isso, sempre de uma perspectiva ampla, resultado de morar no Rio e ser de tempo parcial.

A UFF para mim era como um banho de chuveiro gelado, entrava e saia correndo, tomando cuidado para não escorregar no sabonete...

Quando uma criança nasce, o Grande Arquiteto do Universo já traçou o seu destino, e o meu foi de ser um eterno 20h.

Antigamente a regra era ser 20h. Quase não havia 40h, muito menos DE.

Isso convinha certamente aos engenheiros das empresas, mas era ruim para o ensino e a pesquisa.

Então teve que mudar, e hoje é o inverso, a regra é ser DE, há pouquíssimos 20h.

Portanto, há algum tempo eu entrei para a lista de espécies ameaçadas, em risco de extinção ...

No começo era um engenheiro que trazia para a UFF certa experiência acumulada nas telecomunicações, após alguns anos de formado.

Algum tempo depois fui admitido em concurso público para o BNDES, onde passaria os próximos 36 anos voltado para o desenvolvimento do Brasil, da indústria, das empresas.

Na época, as telecomunicações nacionais estavam em situação emergencial, era de extrema urgência substituir antigos sistemas, verdadeiros entraves para o crescimento da economia.

Trabalhei uns 10 anos na Standard Electrica, WESTEC, INDUCO, CTB, MONTREAL ENGENHARIA, todas empresas já de há muito extintas.

Levo boas lembranças da UFF, as visitas técnicas que fazia com os alunos, que muito apreciavam essas atividades extra-curriculares, as aulas de laboratório na Planta Didática montada com muito trabalho ao longo de incontáveis sábados, com monitores dedicados que hoje são considerados expoentes das telecomunicações, do marcante convívio com funcionários e professores.

Muita coisa mudou, quando cheguei quase não havia carros no estacionamento. Muitos alunos fumavam na sala. Na minha aula do sábado se podia ouvir os passarinhos cantando, só havia eu e a turma na Escola. Eu proibia o fumo pois era alérgico a fumaça; uma das turmas no último dia de aula, com todos já aprovados resolveu aparecer com todos fumando charuto na sala ...

Durante a minha vida profissional, coletava tudo que aparecia, formando aquela enorme coleção de cabos e acessórios de rede externa que ocupava uma imensa sala.

Um dia ela teve que ser desfeita, em nome do progresso da ciência, alojando hoje outros 4 ou 5 modernos laboratórios no 4º. andar do prédio velho.

Foi como se um pouco da minha memoria tivesse sido apagada. Ainda tentei salvar alguma coisa, mas a patroa jamais permitira nada daquilo em casa.

Essa sala, onde habitei tantos anos, tem uma historia curiosa, que vou deixar como subsidio para vocês, de como o Departamento a conseguiu se expandir.

O Prédio novo onde estamos agora acabava de ser inaugurado, todos os ocupantes do prédio velho se mudaram com armas e bagagens para cá, o diretor proibiu o uso das salas vazias do velho, até que uma comissão fosse nomeada para estudar
a destinação do prédio.

Achei que isso não ia dar certo, escolhi a maior sala, melhor e mais bem localizada, no ultimo andar, coloquei um cadeado e passei a utiliza-la como sala de aula e laboratório de rede externa.

Até hoje estamos aguardando a nomeação da tal comissão ...

Assistiram às nossas aulas jovens que mais tarde se tornaram presidentes de empresas como EMBRATEL e TIM, outro chegou a Diretor da Engenharia da Aeronáutica, muitos se graduaram mestres, doutores, tantos ocuparam cargos relevantes nas empresas, no governo, nas universidades, enquanto isso meus 4 filhos iam crescendo, 3 foram admitidos na mesma Escola Nacional de Engenharia por onde eu passei, o outro fez a ESPM, obtendo os mestrados e doutorados que eu mesmo jamais pude concretizar.

De modo que fui feliz, meus sonhos se realizaram, nas conquistas dos filhos e alunos.

Nesse momento volto minhas recordações para aqueles que já não estão mais aqui entre nós, Da. Laura, mãe do nosso secretário João Carlos, de quem ele herdou o jeito calmo e afável, antigos professores, Astor,
Bandeira, Walder, Levy e tantos outros, alguns que nem tiveram a chance de se aposentar, falecendo prematuramente, assim como o Grande Patriarca Moisés, eles não tiveram a gloria de entrar na Terra Prometida.

Colegas que ficam, despede-se o penúltimo professor de 20h do TET (resta um, que por sinal foi nosso aluno ...)

Sejamos todos felizes,

Sempre com o entusiasmo do recém-formado,

O espirito natalino de luz e alegria

A esperança do ano-novo e do futuro a nossa frente

fui ...

Prof. Israel Blajberg
UFF-TCE-TET
17 dez 2014